segunda-feira, 18 de junho de 2007

O início

Eu sabia que minha filha Lara ia descobrir seu talento. Era tempo dele se manifestar, porém nunca se sabe exatamente quando. Há dias ela parecia mais centrada, mas nunca tão serena quanto naquela manhã.

Saíamos de casa, em torno de seis horas, na Avenida do Forte, zona norte de Porto Alegre. Estávamos Lara, meus netos e eu. Era uma fria manhã de junho e serração fechada. Eu estava na sala. Luísa, minha netinha, entrou no carro. Luís, mais velho, acelerou a mãe avisando do perigo daquela zona. Lara fingiu que não ouviu e continuou a abrir o portão com calma.

Uma Belina caquética passou lentamente. “Mãe, olha esse carro... Daqui a pouco vai passar uma moto e depois...” Lara entrou no carro e fechou a porta. Tranquilamente foi retirando-o da garagem. “Esqueci a carteira!” Lara saiu do carro para buscar sua carteira. Eu e Luís ficamos esperando na calçada. A tal moto passou. Lentamente. Com seus dois ocupantes olhando na nossa direção. “Mãe! Anda! Acabou de passar a moto! Daqui a pouco pode aparecer alguém!” Lara voltou e fechou o portão. Luís entrou no carro. Enquanto Lara entrava, ambos viram pelo retrovisor dois tipos suspeitos se aproximando. Luís tocou o ombro da mãe. Ela apenas concordou levemente com a cabeça. Eu, ainda na calçada, vi os homens se aproximando e o carro acelerando.

Antes de eu precisar fazer qualquer coisa ouvi um freio. Olhei para a direção em que o carro acelerou e era Lara dando um cavalo-de-pau. Os faróis ficaram altos e os vi se aproximando rapidamente entre a serração rumo aos possíveis algozes. Lara freou bruscamente ao meu lado. Os homens se separaram e mudaram a direção como se nada tivesse acontecido. Entrei no carro. Lara insistia com Luís que deveriam seguir os homens. Nesse momento vi que o gene havia se manifestado e sorri levemente.

A sede de sangue e justiça que vem com ele é inconfundível. Daqui a cinco minutos direi toda verdade a Lara. Ela e muito menos meus netos sabem que se os ladrões chegassem a mim, ou se Lara os tivesse seguido, com certeza eles levariam a pior. Temos, em nossa família, um gene tardio no DNA. Ele se manifesta pela primeira vez entre os 40 e 55 anos. Para própria segurança da família, só é confidenciado essa característica depois que o gene se manifesta na pessoa. Ele não nos dá exatamente um sexto sentido. Ele potencializa os outros cinco. Ele potencializa o vigor físico. E ele elimina a maioria dos medos. Sim, viramos vigilantes. Garanto que muito melhores que a polícia. Até porque, quem vai ter medo de senhores e senhoras da terceira idade?

Depois da verdade, treinamento. Depois do treinamento, justiça. Lara está chegando. E o mundo dela está prestes a mudar.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Eu não estava lá!

Dr. Thiago Schmitd

Aparentemente estou casada. Existe uma aliança em meu dedo e um homem, se é que se pode chamar aquilo de homem, insistindo que é meu marido. Marido. Marido! E eu lá ia querer um marido agora? Muito cedo em idade e muito cedo em carreira. Ainda mais sendo uma massa andrógena de gordura e pêlo. Credo! Mas, voltando à situação...

Segundo meu "marido", a gente se conheceu na pré-estréia de Homem Aranha 3. Ok. Comprei ingressos antecipados. Mas não lembro de ter ido. Conversamos na fila, sobre os dois primeiros filmes, e, claro, sobre como seria o terceiro. Sentamos um ao lado do outro, e, segundo o "senhor meu marido", eu o beijei numa cena romântica qualquer.

Após essa nojeira, saímos do cinema sem ver o fim do filme, coisa que nunca faço. Falávamos de amor à primeira vista e todas essas baboseiras que românticos acreditam. Nesse ponto da história até parei de protestar. Como sabes, eu demoro milênios para me envolver de verdade com alguém e meu nível de romantismo é quase equivalente ao de um homem comum. Deduzi que fui tomada por uma entidade, espírito, ou coisa parecida. E o pior, uma entidade cega, sem tato, sem olfato e romântica. Assim sendo, declarações, juras e jantar.

Durante o jantar, tudo ficou ainda mais “perfeito”. Ambos amam gatos. Tenho pavor a gatos. Ambos perderam os pais com exatos nove anos. Meus pais vão muito bem, obrigada. Além de outras mil “coincidências”. Comemos, bebemos, rimos, e o gordo me pediu em casamento. E eu, ao invés de bater nele ou sair correndo, não só aceitei como lamentei não poder ser naquele momento. “Alope”, como nos filmes. “Aí que você se engana, meu amor...”

Não é que o gordo era podre de rico? Em menos de meia hora estávamos num jatinho rumo a Las Vegas, algumas horas depois estávamos casando numa capela cafona de Elvis Presley, mais outras horas e estávamos de volta a Porto Alegre, num hotel. Desculpe-me não dar mais detalhes, mas eu não suportaria mais detalhes.



Tudo que sei de verdade, é que, um dia antes da tal pré-estréia do Homem Aranha, que também seria um primeiro aniversário de namoro, o dito namorado me largou. Disse que eu era fria e distante. Além disso, meu querido chefinho roubou a empresa, fugiu e deixou-a quebrada e eu desempregada. Então resolvi abrir o Johnny Black que comprei para o namorado e comecei a beber. Acordei num hotel, dois dias depois com outro estado civil. Algo que achava impossível de acontecer em Porto Alegre. Não deveria ter acontecido! Peço portanto, Dr. Schmitd, que ache, como meu advogado, uma brecha, para invalidar essa união a qual eu sequer estava presente.


Obrigada.
Sofia Velara

domingo, 10 de junho de 2007

Você é emo?

Resultado: 10 Pontos
Você é uma pessoa normal, mas com vestígios de Emo. Qualquer descuido pode lhe tornar um deles.

Você é um Emo?

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Estado Natural

Final de campeonato. Escanteio. Jogadores se empurram na pequena área esperando a cobrança. A bola voa. O atacante salta antes do zagueiro e anseia pela bola que pousará perfeitamente em sua cabeça. Porém, centésimos de segundos antes da possível consagração do atacante, o zagueiro se desespera e crava seu cotovelo no estômago do atacante, que cai. Pênalti! Não nos olhos do árbitro, que levanta um cartão amarelo para o atacante por simulação. Parte do time lesado corre rumo à autoridade, mas algo muda sua direção. O zagueiro agressor ri do atacante agredido que ainda está no chão. Nos próximos segundos os dois times estão atracando-se brutalmente.

Na arquibancada, a multidão se agita. Seu estado gutural começa a tomar conta. Os olhos de todos brilham, quase saltam das cabeças. Os batimentos cardíacos aumentam o ritmo. A ansiedade risonha é palpável. Nesse momento ninguém pensa na “vergonha que é esse tipo de comportamento para o esporte”. O médico, o pedreiro, a advogada, a mãe de família, o jornalista, a criança, o lixeiro e a patricinha estão nivelados por seu eu inferior, bestial, infantil, esquecido, oculto, renegado, amortecido, mas não morto. O cardume de torcedores aglomera-se ainda mais perto da cerca e não pisca. Não pensa em ética. Não pensa em nada. Não brada, mas vibra, saboreia cada soco, cada chute. Orgulha-se da garra de seus representantes. Vê nos seus heróis da bola os antigos gladiadores que, nesse momento, saciam sua sede animalesca de sangue. E sem sujar as escamas. Quando os guerreiros são apartados, a torcida, ainda feliz, lentamente se acalma e volta para o foco principal. Gols.